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The Americans e as guerras

“The Americans” e as guerras Alguém me disse, num curso, que a série, apesar de feita por americanos, é transgressora porque dá para torcer pelos russos. Penso que o antiamericanismo que se espalhou pelo mundo durante a guerra fria – e que piorou na era Bush – impede que algumas pessoas percebam que a torcida é por americanos, mesmo. Quase todos os personagens marcantes da série estão impregnados pelos melhores valores da democracia existente nos EUA. Quando, na série, os russos/americanos seduzem ou matam algum civil para servir a URSS isso deixa um gosto amargo de “até onde as pessoas chegam para obrigar os outros a fazer o que não fariam, se pudessem escolher”. Quem escolheria matar quem nunca fez nada contra? Quem faria sexo com homem, mulher, desconhecidos diversos para servir a uma causa? Poucas pessoas teriam esse desprendimento e dedicação à pátria. Não é sexo por dinheiro, por tesão difuso, é sexo por patriotismo. Não é comum. Eu li “Gisele, a espiã nua que abalou Paris”. Li “A garota do tambor” de John Le Carré. Li “A nova mulher e a moral sexual” da soviética Alexandra Kolontai. Caso não tivesse lido teria dificuldade de entender como verossímil The Americans. Por isso, entendo como indispensável que escritores e roteiristas tenham repertório. Caso contrário, pensarão que sionistas, comunistas, direitistas são monstros. Não são. Reagem como seres humanos agiram, em outras épocas e crises, a situações semelhantes de necessidade, fanatismo e opressão. Soube por uma coluna da Patrícia Kogut qu e o Haga Levi atribui o fascínio pelas séries à necessidade que o público tem hoje de, em algum lugar, assistir a verdade. É isso mesmo. É tão crucial assistir hoje como deve ter sido no século XIX ler Zola ou Balzac (escritores de jornal) ou o leitor da década de 50, no Brasil, ler A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, escritor de jornal. A sala de roteiristas em The Americans inseriu flash backs de Philip Jennings lembrando da sua iniciação sexual. Inseriu também no magnífico episódio “Only you” o que significa uma mulher agir como defendia Alexandra Kolontai. Quando a gente torce pelos soviéticos em The Americans, torce porque o time de criadores americanos foi capaz de mostrar o quanto é solitária a luta do indivíduo. Para manter sua parcela de humanidade em meio à guerra. Para continuar tendo o direito de amar apesar das barbaridades profissionais que pratica. Para defender a descendência. Não é por nada, não, mas é difícil escrever com a competência que esse time tem. É preciso ser capaz do dialogismo, da polifonia de um Dostoiévski, qualidade narrativa identificada por outro russo célebre, Mikhail Bakhtin. O mundo seria melhor caso o diálogo com a História empreendido por séries de TV – The Americans em especial – fosse assistido com mais reflexão.

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