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Ces’t Si Bon

Acabo de assistir ao primeiro episódio da série Aquarius, da NBC, no Hulu. Ganhei meu dia. Ao contrário das pessoas bem resolvidas que eu conheço, adoro descobrir a origem dos meus erros, das minhas ingenuidades passadas. Porque já acreditei em um bocado de bobagens e várias delas tinham por trás pessoas medíocres ou aproveitadoras. Imagina se eu tivesse topado com um Charles Manson pela frente? Acho que não, esses caras fraudes ambulantes nunca fizeram minha cabeça. Os americanos fazem series maravilhosas tratando da cultura deles. Séries dialógicas, bem armadas, ritmo impecável, várias camadas de profundidade, sou só elogios. A TV nos EUA tem grandes roteiristas, showrunners, produtores executivos muita – quanto tempo, 70 anos, quase 80? –prática. Além disso, eles têm uma verdadeira democracia capitalista, na qual os consumidores podem escolher o produto que desejam. Isso é fantástico para quem escreve ficção televisiva. Tem lugar para todo mundo, para todo tipo de histórias, é quase como um playground, o paraíso para um escritor. No entanto, alguém precisa avisar aos roteiristas da série The Returned que adaptação não é para quem quer, adaptação é para quem pode. Adaptação pede empatia e infidelidade aberta. Adaptação de livro para filme, teatro para TV, romance para TV já derrubou muita gente boa, muito roteirista talentoso já patinou nesse charco. Mas nunca vi patinar tanto quanto na tentativa de manter os diálogos, manter os personagens, manter a sequencia de eventos e mexer na cultura expressa na obra de origem. Nunca como em The Returned. Na série francesa “Les Revenants”, uma jovem se comunica com o além quando faz sexo. É um dado do mundo inconfundível que os autores franceses inventaram. Qual é o problema disso? Desde que o mundo é mundo, pesssoas se comunicam com o outro lado em transe. Gregos, budistas, africanos, histórias para todos os gostos sobre aqueles que entram no chamado “transe de possessão”. Por que a mulher que recebe mensagens do além transando com o pai de alguém que morreu precisa ser uma vigarista com o objetivo de tomar dinheiro de otário? Deve ser porque o roteirista não acredita no que a personagem faz ou tem opinião contra quem faz sexo por dinheiro. Mas é papel de quem adapta ter opiniões morais sobre seus personagens? Aliás, escritor que se preza conta histórias, o julgamento (e de preferência a reflexão) fica por conta de quem assiste. Existem outros problemas nessa adaptação da série francesa. Luz, tratamento de imagem, corte de sequencias importantes. Mas nada é tão marcante quanto o moralismo em relação a Lucie. Isso é que dá roteirista tentar ser fiel à cultura do outro. O inconsciente traí. É verdade que Ces’t Si Bon cantado em francês e cantado em inglês também mostra essa diferença cultural marcante, mas qualquer música cantada por Louis Armstrong está valendo. Então passa desapercebido. A Netflix, dessa vez, errou feio. Também, não dá para acertar todas. Por falar em acertar todas, Aquarius me lembrou alguns perdedores perversos que conheci na minha vida. Bons personagens. Aqueles caras que dizem gostar muito de uma garota, mas, dizem, ao mesmo tempo, que não é o momento, que ficam tristes por não poderem dar o que elas merecem, mas…ou seja, abrem mão do que dizem que gostam, mas mantém as garotas na fita. É claro que esses sujeitos não são Charles Manson. Não. Para ser psicopata é preciso alguma dose de coragem a mais do que eles têm. São apenas uns pobres garotos malvadinhos que não cresceram e nunca entenderam direito para o que serve uma mulher. Gente, como é fácil ser escritor. É só observar as conversas na mesa ao lado

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