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Jovem que late


Sábado, no Restaurante Dois em cena, no Rio Sul, assisti a um rapaz latindo contra uma mulher que aparentava idade suficiente para ser mãe dele. Podia não ser mãe, podia ser tia, madrinha. Ele latia sobre alguém (um irmão, um primo, alguém em quem a mulher acreditava) que ia se fuder, se viajasse para o exterior, e a mulher tentava ponderar em voz baixa, alguém deve ter ensinado a ela que com maluco não se grita, e ele slapt, slapt, metaforicamente, na cara da mulher.

Eu troquei de lugar rápido, pulei uma mesa, mas ele continuou latindo. E ela quase rezando de tão baixo que falava.

O rapaz era louro, parecia classe média, estava vestido de bermuda, camiseta, sandálias havaianas, pulseirinha no punho. Vestido como qualquer jovem de classe média que se pode encontrar na Praça Salvador, de domingo a domingo, ou nos Pilotis da PUC-Rio, em alguns cursos de Humanas. Desleixado, mas bem de vida. Latindo.

Já vi mulheres jovens também latindo com as mães. Já vi homens e mulheres da minha idade latindo contra pessoas mais velhas. Vi poucas, mas já vi algumas.

É chocante observar uma cena dessas. É quase obsceno. Grotesco.

Eu conheço um pouco de narrativas gregas, a base da narrativa ocidental. Fora Orestes que matou Clitemenestra não existe insulto à Mãe entre os gregos. Derramar sangue materno era o pior dos crimes para os gregos até esse assassinato. Absolvido pelo voto de Minerva. Deusa feminina nascida da cabeça de um Deus homem.

Para não dizer que só homens jovens latem para mães, também assisti a uma jovem mãe gritando furiosa, humilhando um menino de seus três anos no Shopping da Gávea. Porque ele tinha feito xixi na roupa. Nesse caso, eu interferi de forma desaprovadora e ela ficou mais furiosa ainda. Comigo.

Acho interessante como muitas pessoas, muitas mesmo, consideram que seres humanos que latem são malucos. E sendo malucos são pobres coitados.

Por que? A pessoa que late não pode ser apenas mal educada? Sem auto controle? Malévola? Covarde? Idiota?

Eu devo ter latido para algumas pessoas no decorrer da minha vida. Por falta de educação e falta de auto controle. Seguindo meu perfil de personagem, já lati para gente mais forte do que eu, tão forte quanto eu, algumas vezes lati para gente mais fraca, mas (devo dizer em minha defesa), mais abusada.

Mas latir para uma pessoa mais velha, trêmula de constrangimento, tentando apaziguar? Nunca.

Pat Barker, escritora inglesa, tem um livro de ficção muito instigante sobre “Transgressão”. Lá existe uma passagem que ficou em minha memória. Um menino escapa de transformar crueldade infantil em psicopatia do cotidiano porque o pai era muito preciso em punir covardia contra seres em desvantagem.

Conheço alguns difusores da má consciência que alegam serem, os jovens que latem, ressentidos contra as situações em que vivem.

Pode ser que muitos jovens ressentidos tenham passado por situações difíceis. Acredito que situações muito difíceis deixam sequelas, mas nem sempre a sequela é o ressentimento ou a cólera, o latido.

A gente devia parar de tentar justificar, com certeza deveria parar de aceitar latidos de jovens contra os mais velhos e contra os mais frágeis.

Porque jovens que latem, o noticiário tem demonstrado, também mordem. E podem ser manipulados por adultos mais fortes, mais ressentidos, mais cruéis do que eles.

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