Clemência, de novo
Clemência me ligou. Agastada, quase desgostosa com meus comentários a seu respeito. Por que você expõe as pessoas no que escreve?
Respondo: não exponho as pessoas, exponho a mim mesma.
Você praticamente disse que eu peço arrego ao algoz, ajo como se fosse possível esperar que o algoz mude.
É mentira? Não, ela responde, mas não precisava contar para todo mundo.
Qual a graça de ser escritor se não for para contar as histórias?
Clemência foi então por outro caminho. Porque em vez de escrever sobre ela, não escrevi a respeito da minha preferencia por homens egoístas? Touché! Ela tem razão. Bem que eu tento, mas homem e egoísta, para mim, é quase pleonasmo. Questiono: nós mulheres deveríamos ter orgulho do nosso “não egoísmo”? Egoísmo, em geral, é defesa do próprio interesse. Isso é qualidade, não defeito.
Escândalo da parte de Clemência. Egoísmo não é defeito? Não. Mantenho. Defeito é ambiguidade. É não assumir sua parte nos tratos. Quem é ambíguo coloca na conta dos outros o desejo e as decisões.
Clemência desligou, agora convencida que, além de indiscreta e carente (um absurdo medir afeto pela leitura dos seus livros!), sou também uma provocadora. Duas coisas me ocorreram. A primeira, clemente com os algozes, vários, mas exige altruísmo de escritores. Não comprar, não ler, não comentar nem um mísero livro é quase pior do que esperar que algoz se emende. Alguns escritores não assumem que reparam. Eu assumo.
A segunda, foi que entendi, afinal, o motivo de serem resolutos, assertivos os homens escritos por mim. Quando escrevo homens que fazem o tipo “quero, mas não quero” é para mata-los ou condená-los ao abandono. Mas todo mundo tem suas preferencias, não é? Gosto de homem que beija primeiro. E tem coragem de estabelecer e de cortar vínculos.