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Diário da Peste 2

  • Foto do escritor: Sonia Rodrigues
    Sonia Rodrigues
  • 21 de mar. de 2020
  • 2 min de leitura

21 de março. Ontem, conversei com meu amigo Miguel. Conversamos sobre a Morte estar de tocaia. Pronta para dar o bote. E sobre as maneiras de ludibria-la. Billy Wilder disse: os pessimistas construíram piscinas em Beverly Hills, os otimistas morreram em Auschwitz.

Não acho que a quarentena vai durar 14 dias. Para o pessoal que teve contato com os contaminados, veio do exterior é uma recomendação imperiosa. Mas para nosotros? Vai durar muito mais. Já estou armando o coreto.

Enfrentei muitas escaramuças e adversidades nessa vida. Já vi a Morte. Eu tinha sete, oito anos, talvez, tive uma convulsão dormindo, caí da cama, vi minha mãe e minha avó gritando na Fé e eu ali, de pijama, em pé, olhando o escarcéu espanhol em torno de mim me debatendo no chão. Logo depois, a convulsão parou e eu não estava mais de pé. Estava no chão, elas me sacudindo. Talvez a Morte tenha ido embora em respeito à gritaria. Hoje é engraçado, ali foi apavorante.

Como enfrentei as adversidades? Estabelecendo o que de pior poderia acontecer e avaliando se estaria preparada. Dessa vez, não estou. Para morrer, talvez. Para o pior, não. Morrer de Coranavírus é o de menos. Estou ciente disso.

Enfrento a praga com o que sei fazer. Me divirto abatendo os problemas com minha cimitarra de mão, aquela que dorme do meu lado à noite, a que ponho entre os dentes de dia. Me acolho na máquina narrativa que salvou minha vida desde sempre, meu sanatório de bolso. E me refugio no trabalho, porque cérebro desocupado é oficina do demônio, como diria minha abuela amadíssima.

O principal, para mim, no entanto, é a Fé. Quando enfrento alguma adversidade me pergunto: o que posso deixar no Altar de Sacrifício? Minhas oferendas são pequenas, médias ou grandes, dependendo do pedido. Um exemplo: eu adorava churros. Comecei a engordar no meio de uma batalha particularmente dolorida. Parei de comer churros. Venci. Não se trata de promessa e sim de renúncia. Se eu for a Madri, vou comer um churro, claro, mas apaguei o desejo.

Dessa vez, o perigo está tão grande e generalizado que estou disposta a abrir mão do que for meu maior defeito. Só falta identificar entre os três ou quatro grandes, qual será abatido.

 
 
 

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