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Para se manter escritor

Há onze anos eu tinha um blog no qual escrevia , praticamente todos os dias. Publicava trechos quase completos do meu diário. Não dava nome, RG e CPF das pessoas, mas se elas se dessem ao trabalho de ler com atenção entenderiam que estavam ali os meus sentimentos, as minhas críticas, as minhas cegueiras. O meu amor. Há onze anos, eu tinha dívidas, muitas dívidas, e continuava gastando como se não houvesse amanhã. Há onze anos, eu acreditava que um número grande de pessoas gostava de mim, precisava de mim, me admirava. Há onze anos, eu, pelo prazer de estar junto com pessoas interessantes procurava por essas pessoas mesmo que elas nunca procurassem por mim. Mesmo que tivesse a sensação longínqua de que elas estavam fazendo a expressão plácida de quem está conversando com alguém incomodo. Eu era uma pessoa que mantinha relações assimétricas e não achava nada demais. Nos últimos onze anos, eu aprendi a pagar minhas dívidas e a abrir mão de compromissos que não podia manter. Descobri que um número grande de pessoas não gostava de mim, não precisava de mim, não me admirava, ao contrário, me combatia ou desprezava. Pelos motivos mais variados. No início, 2005, 2006, 2007 até, pelo menos, 2013, pelo menos, eu não entendia os motivos e, por isso, subestimava o perigo de conviver, apreciar, gostar, amar pessoas que me faziam tantas restrições. O escritor Graham Greene escreveu a respeito da importância da tranquilidade para o nosso ofício. Então, nos últimos dois anos, tenho tentado descobrir como me manter tranquila sem depender dos outros. Recentemente descobri, escutando a música Unchain my heart, que se você pede liberdade para alguém que não lhe ama é porque acredita que esse alguém vai ser legal e passar a lhe amar. Algo como “vem me fazer feliz porque eu te amo”. Uma impossibilidade. De um ano para cá, percebi que a única maneira de manter a minha essência era só me manter por perto de gente que realmente quisesse estar comigo e nunca pedir compreensão de quem quer que seja. Não é uma aprendizagem fácil, mas é muito tranquilizador. Hoje convivo apenas com pessoas que tudo indica gostam de estar comigo. Se resistem a mim, eu dispenso. Se me desaprovam, eu dispenso. Se eu trato bem e, em troca, me maltratam, eu dispenso. Se fazem de conta que gostam de mim, mas não me cultivam, eu dispenso. Se me dispensam, eu dispenso. Não fazer movimentos em direção ao perigo é a melhor maneira de evitá-lo. E pessoas desaprovadoras, invejosas, ambivalentes e injustas são perigosas para quem vive de emoção como um escritor vive. Tem sido muito consoladora a constatação que mesmo com todas as restrições que aprendi a impor a mim mesma nos últimos 11 anos, ainda sobraram pessoas legais que me gostam. Quem escreve precisa estar em paz com seus personagens. Não contaminá-los com os algozes do cotidiano é a única maneira de ser fiel ao que a gente cria.

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