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Timshel


No romance “A Leste do Eden” existe uma maravilhosa discussão filosófica sobre a palavra hebraica Timshel que em três diferentes traduções do Velho Testamento aparece como: Haverás, Deverás e Poderás. Vencer o pecado, exercer o perdão, abrir mão do descomedimento, todas essas batalhas que os seres humanos não gostam ou não conseguem enfrentar.

Considerando o momento em que vivemos hoje, a palavra e suas traduções têm implicações fatais. “Haverás” é a mais confortável. Se estivermos do lado “certo”, acreditando nos valores “certos”, a salvação está garantida. “Deverás” é um pouco mais trabalhosa, porque é uma ordem. No entanto, se estivermos com o GPS “certo” (ciência, religião, processo jurídico, psicanálise, terapias diversas em dia) conseguiremos cumprir nosso dever. “Poderás” é uma palavra terrível, bem coisa de cultura milenar como a judaica ou de mitologia milenar como a grega. Implica em abrir mão da hybris 24 horas por dia, 365 dias por ano, a vida inteira. E isso implica em conseguir ou não conseguir abrir mão e aí começar a rolar a pedra morro acima, de novo. Antes de qualquer coisa, implica em distinguir o que é hybris do que é o desejo legítimo de vencer conflitos ou prevenir encrencas. Sim, porque Timshel não é uma palavra cristã, do perdão a todo custo, oferecer a outra face, essas coisas impossíveis para gente de carne e osso. “Poderás” é passar o tempo todo resolvendo para que lado seguir nas encruzilhadas da vida:

Esfrego ou não esfrego na cara do meu irmão, irmã, filhos, amigos a verdade terrível que ele/ela/eles deveria (m) ter percebido por conta própria se não fosse tão tapado, preguiçoso, egoísta, metido a bonzinho?

Mato ou não mato (real ou metaforicamente) quem, por dezenas de vezes, conspirou contra os meus direitos?

Defendo ou não defendo o legado de quem errou comigo de forma abominável?

Relevo ou não relevo as consequências que sofri por ação ou omissão das pessoas amadas?

Apoio quem tem inimigos poderosos ou me escondo e deixo acontecer o que tiver de acontecer?

Todos os exemplos acima foram retirados de Homero, de Shakespeare e da Vida que eu vi se desenrolar na minha frente.

Timshel é tentar ser Ulisses o tempo todo, cair e levantas mil vezes e só conseguir voltar para casa sozinho. É difícil pra caramba. Todavia no hay nada imposible.

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