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Dá trabalho ser feliz

Deviam instituir uma lei: mulheres fortes estão proibidas de cair na armadilha da infelicidade permanente. Ou talvez mães devessem ensinar às filhas a não fazerem pacto com a infelicidade permanente. Ou ensinar aos filhos homens a não se manterem presos a mulheres fortes em situação de infelicidade permanente. O problema não são as pessoas com tendência para o mal. O problema são as que mesmo sem tendência, por infelicidade ou preguiça ferem os outros sem necessidade. Porque ser bom (ou feliz) é esforço. Minha lógica é simples (minha lógica é sempre simples, sou uma pessoa do óbvio): mulheres fortes em situação de permanente infelicidade vão se vingar em alguém. Nelas mesmas, no marido, em outras mulheres, nos vizinhos, nos filhos. Uma infelicidadezinha aqui, outra ali, tudo bem. Felicidade o tempo todo não existe. Mas a infelicidade se instaura e aí é que mora o perigo para mulheres que têm a Força. A minissérie Ollive Kittridge mostra uma protagonista forte, grande. E insuportável. Uma onça presa em suas próprias contenções. É uma mulher que tem dentro de si, apodrecendo, o desejo. Fonte: Nelson Rodrigues. È casada com o mais manipulador dos homens, o bonzinho que a faz passar, em contraste, por caprichosa ou megera. Fonte: Gabriel Garcia Marques. Eu gosto de escutar os homens, ler os homens. Gosto da diferença. Por isso esses autores me ensinam um bocado. Conheci muitas mulheres, muitas, com o perfil e trajetória de Ollive Kittridge. Eu já caí em armadilhas de auto contenção como ela. O problema de mulheres fortes é que tudo na gente é exagerado. A competência, a resistência, a tristeza, a raiva, a alegria, o estrogênio, a progesterona, a maternidade, a vontade de que nossos empreendimentos amorosos ou profissionais sejam bem sucedidos… Mulheres fortes agem, no dia a dia, como um atirador de elite, quer sejam suaves (e, às vezes, manipuladoras), quer sejam diretas (e, às vezes, prepotentes). O objetivo é o mais importante. Aguentar ou não a infelicidade envolvida no caminho até o alvo se torna uma insignificância. Esse é o risco do matriarcado. Eu sei. Faço parte dele. Descendo de matriarcas que me ensinaram muito, menos o direito a desistir. Desistir da infelicidade, ser fraco demais para aturar a infelicidade é, para mim, a tarefa mais difícil do ser humano Como o último episódio da Ollive Kitteridge mostra. Só isso já valeria a série. Para se comover. Para rir, fica Frankie e Grace, da Netflix. Para pensar também. Dá trabalho ser feliz.

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