Mistress America
A intensidade é uma merda. Porque as pessoas curtem as pessoas intensas, mas não levam para casa. Seres humanos, de maneira geral, tem a alma homo, amam seus iguais, não amam quem é diferente. Está aí Jane Austen que não me deixa mentir.
Pessoas intensas precisam ter sempre um plano B em relacionamentos com pessoas não intensas. O problema é que, muitas vezes, pessoas intensas têm pouca percepção do outro. Acreditam que o apreço demonstrado em mesa de bar, no trabalho, em ambientes sociais ou privados significa afeto confiável. Não significa. Os aplausos ou o afeto demonstrados querem dizer apenas que a pessoa intensa é muito atraente, original, inusitada.
As pessoas intensas deveriam seguir à risca o conselho do Rei Faisal, citado por Ulisses Guimarães: ouvir em dobro e falar a metade.
A dificuldade é que pessoas intensas adoram partilhar e aí correm o risco de candidatos a que escritores medíocres e malévolos as coloquem debaixo do microscópio de suas vidas sem cor e as transformem em histórias. Como no filme Mistress America.
Perceber que se tornou objeto do meio talento alheio para escrever ou fofocar (tem gente que nem escrever sabe) faz com que as pessoas intensas, em geral, caiam em depressão. Como em “Razão e Sensibilidade”. Ainda bem que, no século XXI, temos os antibióticos, os terapeutas e os remédios para mitigar o baque.
Mulheres intensas deveriam reservar uma parte de sua intensidade para ginástica pesada, manicure semanal, massagem, cinema, teatro, compras, enfim, atividades que se pode fazer sozinha e pagar por elas. Porque fazendo assim não correm o risco de serem classificadas como adoráveis, mas fadadas ao fracasso. Amoroso, profissional ou o que quer que as pessoas não intensas classifiquem como fracasso.
Mulheres intensas (conheço poucos homens intensos em comparação com mulheres) não deveriam nunca se oferecer para estar com, fazer coisas com ou insistir em partilhar com. Para não correr o risco de um rico não criativo dizer que abrir um restaurante é como ter um filho drogado. O tipo de investimento que consome dinheiro e emoção o tempo todo. Guardando as devidas proporções, os sonhos das pessoas intensas sempre esbarram na resistência das pessoas não intensas.
Solução para os sonhos? Tentar realizá-los sem esperar muito da aprovação ou do dinheiro alheio e, caso o sonho fracasse, nunca, jamais, em tempo algum fazer confidências do fracasso. Seguir em frente, mudar de cidade, de amigos, e partir para realizar os sonhos de outra forma. Pessoas intensas deveriam vir acompanhadas de duas qualidades: disciplina e desapego.
Qualidades que costumam acompanhar um maior número de pessoas racionais. Uma lástima. Recebi ontem de um pesquisador um áudio que meu pai gravou em 1957, na estréia de “Perdoa-me por me traíres”. Ele desanca a critica, incluindo Paulo Francis e outros a quem ele dá nome, RG e CPF, como de hábito. Um homem intenso.
Eu disse acima que mulheres tendem a ser mais intensas do que homens? Talvez o pequeno conjunto de homens intensos consiga ter, mais facilmente, disciplina e desapego. Mas esses também, em geral, não levam mulheres intensas para casa. Ainda bem que alguns escrevem Mistress America e Perdoa-me por me traíres, homenagens (não apenas elogiosas) à intensidade feminina.