top of page

Sem data de entrega

Conheço algumas mulheres que são territorialistas. Em relação aos filhos, aos maridos, aos amigos, ao trabalho. Para chegar perto das pessoas ou das atividades dessas mulheres, é preciso estar em suas graças.

A minha sorte (e a delas) é a lembrança da prostituta da história do Rei Salomão, a que abre mão do filho para não assistir a espada cortar a criança ao meio.

Penso que existem mulheres de olhos verdes e existem mulheres territorialistas. Arrancar os olhos de alguém seria um crime, não aceitar o territorialismo alheio, uma burrice. Lutar contra, portanto, suicídio.

Quando eu era cega (e feliz) em relação às pessoas a minha volta as atitudes não identificadas de territorialismo me divertiam. Quando a cegueira foi curada às custas de muita porrada da vida (porradas inspiradas por minha burrice de peitar opositores) precisei arranjar outra forma de sobrevivência.

Concordar com tudo, ignorar os insultos, a falta de consideração, as tentativas de desmoralização. Concentrar nas qualidades das mulheres territorialistas e, muito importante, eu sei hoje, ficar perto o estritamente necessário.

Porque estou longe de ser Zen. Meu sangue ferve quando vejo que estou sendo afetada, afastada pelo territorialismo de alguma mulher.

Porque eu gosto de mulheres. Das vadias, das preconceituosas até o osso, das sonsas, das atacadas, das cegas, das solidárias, das feministas, até das misóginas eu gosto.

Injustiça e ingratidão de homens e mulheres, no entanto, me irritam. Como sei que sou reativa até o osso, tento me segurar quando territorialistas atuam em minha direção. Porque, em geral, rola alguma injustiça.

A mulher territorialista nem sabe, muitas vezes, que está insultando, magoando, desmoralizando. Pode amar, respeitar, admirar as pessoas as quais insultam, magoam, afastam. É involuntário, é mais forte do que elas.

Às vezes, a característica de ser territorialista é acompanhada da Lucidez. Qualquer característica considerada socialmente negativa pode ser acompanhada de Lucidez. Eu chamo isso de honestidade intelectual.

As territorialistas lúcidas são as minhas tiranas favoritas. Sabem que são territorialistas e quando percebem que esbarraram em mim, tentam consertar.

Pena que eu lide muito mal com a obrigação de ficar muda. Sei que um dia vou conseguir ter mais compaixão pelo que é intrínseco em mim e nos outros. Vou conseguir ter mais compaixão pelo que foi aprendido e se tornou incurável. Vou. Quando? Não posso prometer data de entrega. Estou tentando.

Últimos textos
Arquivo
bottom of page