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Oriente Médio: hybris e caos


Assisti, no último fim de semana, Fauda. Em árabe quer dizer Caos. Fantástica. É mais do que o romance A garota do tambor de John Le Carré e, quem me conhece sabe, este é o maior elogio.

Fauda é melhor do que Homeland, melhor do que Ray Donovan, American Crime, melhor do que True Detective, na primeira temporada. Só não é melhor do que The Americans ou River. É tão boa quanto.

A série me lembrou a Ilíada, de Homero, com a permanente renovação da desgraça próxima. Em vão, alguém tenta jogar água na fervura. Vai sempre aparecer um pobre coitado enfurecido, ressentido, rancoroso ou, simplesmente, magoado que vai detonar com as chances das pessoas ficarem em suas casas vivendo em paz.

Fauda tem um pouco do cinema argentino nos grandes dramas políticos. Pela falta de pudor de abraçar o melodrama.

O drama político é um gênero que não pode viver sem a emoção exarcerbada.

A paixão política tem sempre um componente desumanizador. Porque não poupa nem aqueles a quem o apaixonado (pela política) ama. Como pode alguém ignorar, roubar, enganar, destruir uma pessoa que ama por causa de política?

Por outro, a paixão política satisfaz a vontade mesquinha de muitos de fazerem os outros de bode expiatório.

A paixão política esmaece qualquer crime, qualquer mediocridade, qualquer patologia. Está do lado dos bons? Então pode ser cruel, corrupto, sequelado... Os bons o acolherão. Um único problema: quem são os bons?

Aí vai outra grande qualidade da série Fauda: todos são bons, em alguma medida. Pais amorosos, amigos leais, amantes ardorosos. Até certo ponto. A partir do ponto em que a verdade absoluta cobra seu preço, aí, um lado ataca com metralhadora, outro com colete bomba. E pessoas que gostariam de voltar para a cama quente e a mesa gostosa caem na guerra.

O Mito nos ensina: a Hybris é a perdição do homem. A pretensão de se igualar aos deuses. Nos dias de hoje, a pretensão de achar que Deus/Razão nos aprova, está ao lado de nós.

Fauda dá notícia de como serviços de segurança e combate, quer sejam árabes ou israelenses articulam suas certezas. A maioria tentando sobreviver como pode, tentando não cair em Hybris no terreno minado do Oriente Médio.

Graças a esse dialogismo o ritmo da série é uma obra prima. O drama tem um tempo certo para mostrar o impacto do descomedimento dos indivíduos.

Interessante no roteiro é que homens parecem mais susceptíveis a Hybris do que mulheres. No entanto, quando as mulheres se deixam levar pela Hybris as consequências, na série, são piores. Falta a “brodagem” masculina da qual os guerreiros se beneficiam.

O melhor de tudo, em Fauda, é que as situações extremas são vividas por pessoas comuns. Ninguém tem super poderes, síndromes, traumas e terapeutas justificando seus atos. Não. É o cotidiano da violência, das divisões culturais, das dívidas históricas. Como acontece em qualquer território dividido por divergências inconciliáveis. Ou o que a Hybris coletiva diz que são inconciliáveis.

A nossa capacidade de produzir o Caos aqui e agora parece infinita.

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