Cismar
Ruy de Oliveira, o famoso ilustrador, me disse uma vez: os homens se apaixonam, as mulheres cismam.
Perfeito. Eu cismei inúmeras vez com homens.
O melhor deles foi um namorado que sumia. Era seu único defeito grave, para uma natureza como a minha. No mais, um amoroso impecável quando estava junto, generoso, inteligente, doce, mas sumia sem dar satisfações por dias, meses. Empatia zero com os meus sentimentos. Simpatia zero por meu jeito de amar.
Aliás, a gente não aprende a amar. Devia. A mulher que se envolve com um homem que precisa de distância deveria saber como se manter independente dele. Curtir, inclusive, possíveis alternativas. Pelo menos, para manter a moral elevada.
E minhas paixonites por homens inventados? Ah, ele é tão inteligente, talentoso, apaixonante... Coisa nenhuma. Quem quiser saber o quanto já inventei amores e amigos é só ler a ficção que escrevo. Está tudo lá.
Leio o que meus amigos escrevem, dentro e fora do FB, sobre política, questões sociais e me pergunto por que só o amor e suas implicações me inspiram.
Penso que é porque além de acreditar em Mao Tse Tung já acreditei na Albânia. Pode uma coisa dessas?
E acreditei em pessoas mesmo quando os indícios eram de competição, inveja, menosprezo, irresponsabilidade. E eu ali, inventando desculpas para os comportamentos delas.
Deixei passar grosserias absurdas atribuindo-as aos traumas de infância dos outros.
Ou justificando por sentimento de culpa pelos meus comportamentos absurdos.
Eu já perdi pessoas com quem poderia ter trabalhado um pouco mais, beijado um pouco mais, dançado um pouco mais por inventá-las. Deixei de lado pessoas apenas razoáveis depois de uma lista de decepções.
Procurando bem, vou encontrar por trás desses desencontros e infelicidades a Cisma. É ela que, onipresente, nos impede de ver as evidências, nos impede de enxergar e aceitar o óbvio.
Como diria a Emília do Monteiro Lobato: se a gente faz de conta que uma coisa é, está claro que ela é. Se a gente faz de conta que uma coisa não é, está claro que não é. A gente faz de conta que situações e pessoas são. E cisma com aquilo.
Este é o problema de cismar com as pessoas. A gente acaba por deixar os sentimentos inventados tomarem conta. Aí os sentimentos se contaminam com os maus modos e as performances abaixo da crítica. Resultado: a gente toma raiva.
A sorte é que gosto de aprender e quando aprendo, aprendo mesmo.
Inventar gente de carne e osso, cilada. Insistir em relacionamentos “bichados” burrice. Repetir a dose com quem não tem talento ou vontade de aprender... Sem comentários.