Psicose
Quem me conhece sabe que eu não acredito que a realidade exista. Para mim, tudo são versões e todas as pessoas são personagens delas mesmas. Às vezes, o “elas mesmas” é um bom autor e a personagem é atraente. Às vezes, é um autor medíocre então temos que aturar pedaços incoerentes de uma personagem sem coesão. Triste.
Os normais sempre me espantaram pelo medo ou repulsa que sentem dos psicótico. Ao mesmo tempo em que se esforçam para se considerarem (ou serem consideradas) malucos. Gênios incompreendidos. Transgressores. Vanguarda.
Hoje em dia, o que mais me espanta é a confusão que as pessoas fazem entre realidade e ficção.
Uma amiga me diz que jovens trabalhadoras estão indignadas com Girl Boss uma série sobre uma milleninum chata como costumam ser os mimados em qualquer geração, qualquer época.
As pessoas, nos últimos meses, anos, sei lá, estão entrando num espiral de psicose coletiva, me parece. Acham que a realidade que enxergam é a única que existe e que a ficção é algo da qual a gente pode discordar. Isso me escandaliza.
Porque eu, em estado de insanidade temporária, já acreditei em fantasias contra todas as evidências reais. Acreditei que pessoas eram confiáveis e não eram. Fiz de conta que não me desaprovavam quando só faltavam colocar bolas de gude no caminho que eu percorria com venda nos olhos. Tratei como inteligentíssimas e cheias de talento medíocres espertos. Enganei como se fossem super atraentes homens que me enganavam e não davam meio caldo (observem, se eu fosse homem e falasse isso de uma mulher, seria linchado no FB!).
Ocorre que antes, durante ou depois eu reconheci que estava momentaneamente insana. Por burrice, insistência (burra), tesão ou pura desonestidade intelectual.
Muitas vezes, fico com a sensação de que algumas jovens trabalhadoras, alguns manifestantes digitais, encabeçadores de manifestos que invadem todas as páginas ou comentários online hoje em dia são pessoas que precisam ser medicadas.
É como se um médico tivesse falhado em dizer a eles: existe um remédio que pode minorar sua necessidade de agredir/enquadrar os outros com suas concepções totalizadoras. Não quer experimentar?
A implicância com a ficção para mim é o momento de ultrapassagem da fronteira. Por que ser contra ou a favor de um personagem na tela, nas páginas de um livro?
Vá lá que a pessoa crie um altar para um líder político e reze ali todos os dias antes de sair para o trabalho e antes de dormir quando volta. Fé não se discute.
Compreensível que seres imaturos se reúnam em torno de um líder mesmo que tudo indique que a flauta mágica vai leva-los para o desastre total. Faz parte do crescimento.
Mas criar um mundo de fantasia na vida real, acreditar no que inventa e, ao mesmo tempo, digladiar contra a ficção na TV? Ou nos romances? Ou no cinema?
Ah, a falta que faz um corretor de rumo na hora certa!