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Diário da Peste 41

Terapia

Nós nos tornamos uma sociedade viciada em terapia. Quer dizer, nós a classe média brasileira. Porque pobre não tem dinheiro para terceirizar mágoas e problemas.

Antes que alguém se ofenda, sou a favor de terapia. Só não acho que substitua o ombro amigo.

Numa pandemia dessas, não reclamar, não lamentar, não chorar deve ser sinal de alguma coisa.

Não sei se boa.

Devíamos ouvir mais as guarânias assumidas ou não. São infalíveis para as lágrimas!

Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora... Conta logo sua mágoa toda para mim... Quem chora no meu ombro, eu juro que não vai embora, não vai embora, porque gosta de mim.

A classe média aprendeu com especialistas gringos variados (austríacos, franceses, norte-americanos) que incomodar quem se ama, gosta, aprecia com queixas e reclamações é coisa de gentinha. É brega, é clichê. Melodrama paraguaio. Ou coisa de maluco.

E se quem não reclama apenas se viciou em esconder sentimentos?

E se pagando pela interlocução buscamos escapar da contestação?

Se uma pessoa contar uma tristeza para um leigo (eu, por exemplo) talvez escute algo do tipo “devagar com o andor que o santo é de barro”, não exagera que não é para tanto”.

E a pessoa terá então o prazer de dizer:

Sonia, você sempre subestima os problemas!

E eu responderei (eu e meus diálogos imaginários):

“É que eu prefiro soluções...”.

“Soluções simplistas, não é?”

Para mim, esse é o centro da ponderação sobre o vício em terapia.

Com envolvimento, se estabelece um diálogo (ou uma briga!). Quem nos quer bem, nos disputa com o demônio da tristeza, do rancor, da mágoa em geral. Pode errar, mas disputa.

Nunca saberei se quem faz cara de paisagem gosta de mim. Ou se quer que eu continue gostando. Talvez a “cara de paisagem” pense que são bregas as reclamações, mágoas, queixumes.

O que a guarânia (de qualquer nacionalidade) me ensina: gosta de mim quem se expõe ao meu ombro. Ao diálogo comigo.

Num momento em que o Paraguai dá lições de civilidade ao Brasil, talvez valha a pena a classe média repensar as pretensões sociais.

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