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Festival Varilux

Eu viajo com dois passaportes. O brasileiro e o europeu. Neta de imigrantes espanhóis, fiz faculdade de História e passei a adolescência imersa em literatura europeia. Tenho filhos que descendem de um dinamarquês e Karen Blixen (ou Isak Dinesen) está entre minhas autoras prediletas.

O que a ficção me ensinou? Primeiro: é o melhor sanatório de bolso. Porque como disse a barda dinamarquesa: toda dor pode ser suportada se a colocarmos numa história. Em segundo lugar: tudo o que um ficcionista colocar na história tem que ser resolvido – da melhor forma possível – ali. Ficção é como piada. Se precisar explicar, perde a graça.

Por tudo isso, a Europa me encanta. Com suas confusões e premência. Com os pontos de vista inusitados, com os quais nem sempre concordo, mas me instigam de forma permanente.

Escrevo isso por causa dos filmes que tenho assistido no Festival Varilux e por causa da série Borgen, na quarta temporada. O meio ambiente é tema de “Golias” e é tema da série dinamarquesa. Existe uma radicalidade no chamado “Velho Mundo” em relação aos combustíveis fósseis e os pesticidas que me causou a impressão de que estamos dormindo no Brasil. O planeta estará acabando mesmo e nós é que não percebemos ainda?

Hoje foi a vez de assistir ao filme “O Destino de Haffmann” e me surpreender com a abordagem suave (não menos terrível) da ocupação da França pelos nazistas. Pouco sangue, quase sem tiros, mas a burrice e a covardia dos seres humanos na guerra – qualquer guerra – estavam lá. Atores soberbos, claro, direção idem, e um diálogo translúcido. Pergunta de um judeu para a católica com quem ele não consegue transar:

– Você acredita em Deus?

– Não. Mas por via das dúvidas acredito no Paraíso. E você acredita em Deus?

– Não. Mas por via das dúvidas acredito na Torá.

Um momento de interseção entre duas pessoas em situação de perigo e desumanidade que transmite humor, resiliência e prepara o final irônico. Afinal toda mulher deveria ter a oportunidade de se vingar de um estuprador que nem ao menos garante os combinados. Ainda mais se ele colabora com o invasor nazista.

Nazismo não é brincadeira. Estupro não é brincadeira. Guerra não é brincadeira. Colocou na trama precisa ser resolvido na trama. Ah, se fizéssemos isso na vida!

Um homem que assistiu ao filme comentou perto de mim: “Todo mundo devia lembrar as atrocidades que a guerra traz antes de ser a favor”.

Não é que depois de tudo o que já se filmou sobre a ascensão do nazismo, os franceses ainda conseguem nos contar esse episódio de forma surpreendente?

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