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O silêncio como recurso dramatúrgico

Serei grata sempre a Cristine Barreto por ter me apresentado à série “Tudo bem não ser normal”. Porque do ponto de vista narrativo – construção de personagens, andamento do enredo – é uma série que usa bem o silêncio. A pensata da série me representa. As pessoas normais ou são muito generosas ou são pretensiosas de doer.

Engraçado porque os normais pretensiosos (na série, claro) se assemelham aos psicopatas na falta de empatia com os diferentes. Na auto ilusão. É compreensível. As pessoas têm seus “diferentes” de estimação. É como se existisse uma escala. É normal aceitar as pessoas que se comportam de acordo com as nossas expectativas e nos afastar daquelas que não correspondem. Como os normais fazem isso? Às vezes, puxando o cabelo, às vezes expondo em praça pública (a Internet nesse sentido é perfeita para “secar” ou “linchar” quem pensa diferente), às vezes ignorando pelo silêncio.

Sou muito grata às redes sociais porque me ensinam a praticar o silêncio. Especialmente em reciprocidade. Já posso identificar aqueles que usam o silêncio como forma de poder. Mesmo que, em alguns momentos, seja solitário não falar, não escrever, não agir, é preciso aguentar o silêncio para não se tornar vítima do preconceito.

Hoje, tenho orgulho de mim mesma quando não dou uns “tapas” metafóricos em quem me atribui defeitos que significam, apenas, que não estou na escala deles. Como a escritora da série, eu digo “quero” quando vejo algo que desejo. Como o autista (e a escritora) da série, digo claramente o que penso sobre o comportamento pretensioso dos normais. Melhor dizendo: eu falava claramente. A cada dia digo menos o que penso a respeito da auto ilusão alheia.

O arco da escritora na série é uma pequena obra prima. Idem o arco do autista que sofre de Transtorno de estresse pós traumático. Qual o problema se algumas pessoas (muitas) a consideram dura, encrenqueira ou antipática? É ela que conquista o amor porque (felizmente!) existem pessoas no mundo que se entregam aos diferentes.

O psiquiatra como personagem bem humorado e autocrítico é um bálsamo. E o papel dos contos de fadas na cura, com sua carga de terror, é uma grande homenagem à ficção.

O melhor mesmo, no entanto, é o quanto a série ensina sobre a cultura coreana e o silêncio. Nós ocidentais falamos demais. Ou talvez os diferentes falem demais porque o autista com TEPT tagarela o tempo todo, vez por outra com frases memoráveis. É melhor beijar do que brigar. Grande conclusão.

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