Rua Samin
Nasci nesta rua, em Irajá, numa época de muito preconceito contra as mulheres e contra os bastardos. Como todas as aldeias do mundo, a Rua Samin deixou marcas, umas boas e outras ruins das quais usufruo e reproduzo até hoje.
Quando lembro das tortinhas de lama feitas em tampas de refrigerante, das histórias de assombração contadas à noite, do barulho das gotas de chuva dos buracos nas telhas sendo aparadas pelas panelas, a Rua Samin é boa. Me lembra que dá para se divertir com pequenos brinquedos e levar numa boa as pequenas adversidades.
Quando converso com desconhecidos na padoca da Fonte da Saudade, quando faço questão de ir aos lançamentos da Any Collin ou da Maria Helena Ribeiro depois de um dia exaustivo de trabalho, a Rua Samin é boa porque me ensinou que afetos sobrevivem e desconhecidos podem surpreender.
Dançar, sozinha ou acompanhada, é outra boa herança dessa rua suburbana. Na adolescência, quando voltei para lá em total desvantagem, foi onde aprendi a dançar e a ir em festas de quinze anos. Cantar em rodas de violão no portão das casas também.
Os atabaques do terreiro de Umbanda batendo nas noites de festa no terreiro que minha mãe e os irmãos dela mantinham nos fundos da casa em que morávamos me ensinaram o valor da tolerância religiosa e sou grata até hoje ao sincretismo que me formou. Graças a isso, resisto ao pensamento único do calvinismo norte-americano que domina a mentalidade que nos assola nos dias de hoje.
Todas as coisas boas e as ruins da Rua Samin estão nas histórias que eu conto. Só por isso, já teria valido a pena.
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