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Royalties

Conheço um bocado de gente que vive de royalties de seu passado triste. “Eu poderia ser gentil, justo, correto, mas não me deram chances... sofri tanto que o mundo vai relevar e se não revelar, problema de quem é intolerante e incompreensivo comigo...”

Durante anos, passei a mão na cabeça, como se diz, ou me compadeci ou lutei no lugar de sofredores. Relevei absurdos porque as pessoas não teriam culpa de serem abusivas, folgadas, grosseiras, ingratas ou injustas. Eu estava errada. Podem não ter culpa, mas que são responsáveis pelas consequências, são.

Pretender escapar incólume de atitudes que ferem os outros, para mim, é sociopatia funcional.

Quem faz isso, e eu conheço muita gente que faz, pode receber alta de algum analista, mas não contará mais com a minha simpatia.

Quando foi que eu deixei de pagar royalties ao passado triste, confuso, neurótico das pessoas? Quando eu deixei de merecer a definição de um ex-namorado: você oferece mais do que as pessoas merecem e perdoa sempre os maus feitos?

Penso que o começo foi quando publiquei o romance “Fronteiras” e coloquei como epígrafe: meninas oferecidas apanham mais.

Ou quando descobri que as pessoas que vivem de royalties ignoravam minhas necessidades e não me poupavam. Por mais que eu oferecesse a elas compensações pelo que sofreram.

Interessante notar que eu também já tentei inúmeras vezes ganhar royalties por minhas dificuldades pregressas. Mas não colou. É como se me faltasse talento para a sedução, a manipulação essencial para esse tipo de sobrevivência. Não sei bater as pestanas, secar as lágrimas com um lencinho e dizer: sofri tanto e você ainda quer me fazer sofrer mais?

Meu modus operandi é o de acordar “alta”, olhar em volta e me perguntar: quantos tigres, quantas onças preciso abater hoje para seguir em frente?

Ou então sentar na frente do computador e escolher: que tipo de história posso contar hoje para enganar a rejeição, evitar o confronto, ganhar uns trocados?

É verdade que, às vezes, no início da noite, bate um “banzo”. Mais do tipo “como era gostoso o meu francês”, do que “ai que saudades que eu tenho da aurora da minha vida”.

É muito libertador abrir mão das tristezas que passaram, concentrar no presente de júbilo. Sem carregar nas costas as dores ou as fraquezas alheias.

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